As coisas são muito estranhas, fato. Não só as coisas em geral, como as pessoas, as plantas, os animais... São tão estranhas que ir de popular a nerd em menos de um dia é comum aonde estudo, Saint Patrick High.
-Ei, Swan, cadê os vinte reais* que estava me devendo?
Olhei para a direção que vinha aquela voz e como imaginei Clarisse White estava vindo em minha direção com o grupo de "seguidoras" dela. Clarisse, ou melhor, Claire a "Princesa da Escola", era a menina mais popular do colégio. Todos obedeciam ela e o grupinho, se denunciasse para a diretora não adiantava, uma das garotas era sobrinha dela. A "Princesa" rebolava debochada, com aquela saia extremamente curta, chamando atenção de qualquer garoto que passava.
-Não te devo nada. -Falei séria em minha defesa. Ela deu um sorrisinho muito debochado, chegou perto de uma garota em uma mesa onde vendia bijuterias, que se eu não me engano era classificada como "normal", e comprou umas pulseirinhas vagabundas. Voltou para perto de mim, entregou a vagabundagem e voltou a dizer como se nada tivesse acontecido:
-Presentinho, querida! Vinte reais, pode ir pagando! -O mesmo sorriso estava estampado no rosto. Sem poder fazer nada, peguei o dinheiro em minha mochila e entreguei de má vontade. Em resposta, uma das meninas, Paisley Black, retrucou:
-Se eu fosse você, trataria direito a Princesa, afinal, ninguém quer ser rebaixado a escravo! Ops, esqueci, vocês excluídos já são os escravos! -As restantes riram. Achei melhor não fazer nada, era mais seguro.
As metidas saíram rindo, em direção a um baixinho que pegava um refri na maquininha antiga, que com certeza seria a próxima vítima da "Nobreza de Saint Patrick High", ou seja, a princesa e suas damas reais, como as próprias se referiam a si mesmas.
Não acho justo o que fazem, mas quem sou eu para contrariar, afinal? Sou mais uma do grupo considerado dos "excluídos". Não se enturmaram, não conseguiram amigos, nem os do seu próprio grupo.
Eu sou Rebecca Swan, e esse recreio nem parece que começou.
Assim que cheguei em casa e abri a porta, levei um escorregão no piso molhado e bati a cabeça na quina da bancada da cozinha. Minha mãe, Larissa, chegou de repente e perguntou meio que inocentemente:
-O que aconteceu? -Tentei me acalmar, virei para o lado tentando não fazer cara raivosa, esbocei um sorriso e virei para ela sorrindo meio fraco:
-Não, eu escorreguei e bati a cabeça! -Levantei, lembrando que ainda estava no chão. Imediatamente, minha mão seguiu para o local da pancada, que doía muito.
-Desculpa, filha, eu estava limpando e...
-Não. Tudo bem. -Me apressei antes que ficasse irritada.
-Poderia me fazer um favor? -Sim, eu caio no chão que ela molhou, quase tenho um machucado grave na cabeça e ela me pede um favor. Essa é Larissa Kors, senhoras e senhores! Sim, Kors, meu pai (de sobrenome Swan) sumiu quando eu era pequena, desaparecido misteriosamente. Na verdade, acredito que foi assassinato, algo do tipo, ninguém some do nada.
-O que? -Perguntei, temendo o favor.
-Lá no sótão tem um balde roxo, daqueles que uso para colocar roupa de molho, pega para mim! -Um balde. Ela não pode pegar um balde.
-Tá, já volto!
O sótão de minha casa é um daqueles "Nossa-Nesse-Sótão-Tem-Coisa". Sim, o exato tipo assustador. As escadas para subir fazem ruídos, a casa é velha o suficiente para isso. Lá em cima ainda tem uma lâmpada fraca, mas dá para iluminar o aposento. Acendo a luz e sigo em frente, procurando o balde especificamente roxo. Paro perto de um armário empoeirado, parece que ninguém vai lá faz décadas, o que é mentira já que minha mãe subiu lá semana passada. Abro o armário procurando.
-Álbum de fotos, álbum de bebê... monociclo? -Falava baixo, analisando detalhadamente. Não me lembrava de um monociclo da última vez que subi, semana retrasada.
Deixei o armário e procurei em uns baús de madeira antigos. Eles pareciam mais velhos, porém eram menos empoeirados. Abri devagar o primeiro, uma nuvem de poeira saiu de lá. Definitivamente, não me lembro de já ter aberto esses baús.
-Fantasia de odalisca, fantasia de hippie, fantasia de bruxa, fantasia de... roqueira? -Dentro do primeiro, só fantasias, uma mais estranha que a outra. Abri o segundo, não estava empoeirado -Livros de matemática, livros de ciências e... o que é isso? -Um livro estranho e muito, muito velho mesmo estava em meio a apostilas antigas escolares.
Tirei o livro do meio dos demais. Tinha uma capa vermelho escuro, com detalhes coloniais em dourado. A capa estava muito depredada, ou melhor, acabada com o tempo. Virei cuidadosamente e logo na primeira página me declarei com um: "Fique ciente que quem passar dessa página estará em grande risco". Claro que, obviamente, eu iria ler. Quando ia virar mais uma página, lembrei do balde da mamãe. Abri o terceiro baú, meio empoeirado, que tinha vários potes e vasilhas, baldes também. Logo, logo, achei o balde roxo.
-REBECCA! CADÊ O BALDE??? -Ouvi minha mãe gritando.
Rapidamente, peguei o livro que tinha deixado de lado, segurei o balde e desci as escadas rangedoras. Sim, eu iria ignorar o livro e ler. Algo me dizia que minha mãe sabia dele, então, leria um livro perigoso. De contrabando.
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