Música: I Believe/Christina Perri
A chuva caia fina. Lia estava se escondendo debaixo de um toldo de padaria, sem ter para onde ir. A jovem suspirou, sua bronquite atacaria se ficasse exposta a chuva daquela maneira, mas realmente não tinha escapatória. Uma mulher passou do outro lado da rua, com uma garotinha de aparentes seis anos. As duas riam, independente da chuva, sendo que logo entraram em uma casa azulada. Uma lágrima rolou dos olhos de Lia. Será que um dia teve família? Será que um dia sua mãe foi assim? Ela fungou, o nariz coçando, sinal de que a chuva não seria boa para ela como seria para uma idosa que passava do outro lado da rua, conversando com um senhor:
–Olhe, Agenor! E pensar que a chuva molhará nossos jardins, permitindo então o concurso de jardinagem!
Um concurso de jardinagem? Lia nunca tinha tocado em um regador, como ao menos tentaria participar de um concurso desses?
Um menininho passou de mãos dadas a um idoso, com um pacote de batatas fritas fechado na mão. O senhor pediu para o garoto parar e entregar o pacote a jovem. Lia pegou, agradeceu muito e se sentou novamente. Queria ter dinheiro para ao menos um pacote de balas, ela ficaria satisfeita. Carregava apenas uma mochila velha e surrada, com alguns livros achados no lixo, revistas, no máximo dez reais e um caderno meio arrebentado com uma caneta, teria batatas se não tivesse comido tão rapidamente pela fome. A chuva aumentou, fazendo com que a coceira aumentasse também.
Um morador de rua coberto por uma capa de chuva velha passou na rua puxando um carrinho com papelão. Olhou para a jovem debaixo do toldo e gritou:
–Garota, o que está fazendo? Fugindo de casa na chuva? Está doida, menina? Esse mundo está perdido!
Realmente, parecia que ela havia fugido de casa: a blusa verde de manga e a calça jeans limpa, o rosto lavado, os tênis pretos brilhantes, os cabelos longos e negros penteados. Porém, logo tratou de responder:
–Não fugi não!
–Sei... -E foi puxando sua carroça além.
Realmente, o mundo estava perdido. Em nada mais se acreditava, em nada mais se confiava.
A tosse rapidamente atacou Lia. Veio forte, junto com os espirros contínuos e a dor de garganta. Depois de certo tempo, um carro lustroso parou em frente a padaria. De dentro saiu uma mulher alta e bem vestida, daquelas parecidas com as de capa de revista. Olhou para a jovem, olhou para os lados e perguntou:
–O que está fazendo na chuva, florzinha? Perdeu o ônibus para casa? Eu posso te dar carona!
–Não, obrigada, eu não tenho casa.
–Oh, fugiu?
–Não, eu não tenho pais, nem tios, nem avós, nem primos, nem ninguém da família.
–Ah, sinto muito!
–Não tem problema.
–Vamos, vamos! Entre! Não fique aí fora!
Ela abriu a padaria, pedindo a Lia que entrasse. Sem hesitar, ela entrou. Ficou encantada com a quantidade de pães, iogurtes e queijos que vendiam ali, além dos mais diversos salgados. Se atraiu por um pão doce, com aparência deliciosa.
–Quer? Pode pegar! -A mulher ofereceu. Lia pegou e logo na primeira mordida, se deliciou. Nunca havia comido algo tão bom. A outra ofereceu suco, que ela também aceitou.Perguntou também se ela queria algo mais, mas Lia só pediu uma garrafa d'agua.
Logo que terminou de comer, a mulher perguntou:
–Quantos anos você tem?
–Quinze. -Ela respondeu, satisfeita.
–A quanto tempo está sozinha?
–Não sei. A um ano, eu acho.
–Um ano? Sobrevivendo do que?
–Do que me dão.
–Só?
–E de um pouco de dinheiro que tenho.
–Como consegue parecer uma garota normal?
–Não sei, aliás, nunca me perguntaram isso.
–Tem lugar onde ficar?- Lia não queria sair dessa maneira das ruas, então mentiu:
–Tenho.
–Ah, tudo bem! Mas aceita algo a mais? -Ela pensou bem, olhou para o teto do lugar e encontrou algo interessante:
–Quero um filtro de sonhos. Só isso.
–Tem certeza?
–Absoluta.
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A chuva continuava a cair, junto com o dia. Eram quase seis horas. O movimento de pessoas na rua continuava escasso. Três garotas, mais ou menos da idade de Lia, passaram recitando parte de um poema como se fosse música:
Quando a noite vem
E o sol tem que ir
Muitas coisas acontecem
Não tão longe daqui
Perto da árvore onde
O vento parece residir
A velha então espera
A esperança vir
Lia prestava atenção em tudo. Logo que as meninas passaram, ela pegou seu caderno e anotou. Sentiu eu deveria fazer isso. Parecia que havia ouvido aquilo em algum lugar, mas não se lembrava onde. Assim que terminou de escrever, ouviu um barulho ao longe, como se fosse algumas ruas adiante, em um prédio. Barulho de coisas caindo. O chão tremeu levemente com o baque. O que estaria acontecendo ali?
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