22 junho, 2014

Believe-Capítulo 2 (The Woman Slave/O Acidente

Música: Radioactive, Imagine Dragons







 Catarina 

Finalmente meu horário de descanso. Ok, é apenas uma noite, mas o que você queria? O dia de hoje foi trabalho pesado, assim como ontem, antes de ontem e todos os outros dias, fora que o sol escaldante não ajuda em nada. Limpei minha roupa cheia de fuligem, desci o morro de pedras quase caindo algumas vezes e entrei em casa. Na verdade, não se pode dizer que isso é minha casa, parece quase um alojamento. Casa mesmo é a da frente, dos meus patrões: linda, grande, impotente e luxuosa. A casa dos meus sonhos. 
Aqui tem vários alojamentos, um colado no outro. Em cada um, ficam umas dez pessoas, se amontoando em busca de espaço. Uma casinha velha e feinha, de palha, com alguns colchões. Pelo menos tem banheiro, disso eu não poderia reclamar. Mas, sinceramente, parece uma senzala que mostram nos livros velhos de História do Brasil para as crianças pequenas que aqui trabalham. As condições também são parecidas, mais do que eu queria. Somos escravos. 
Logo, as pessoas do meu alojamento foram chegando de seu trabalho na fazenda. Moro com dois bebês, dois meninos, uma menininha, dois casais e uma idosa. As mães davam leite aos bebês, as crianças pulavam sem parar, animadas, enquanto os homens tentavam acalmá-las e a senhora ficava quietinha, em um canto isolado. Todos esperando a hora do jantar, famintos. Nós temos as três refeições diárias, sim, mas se considera um pedaço de pão do tamanho de uma azeitona café da manhã, eu não acho. Um relógio cuco marcou sete horas e as pessoas saíram para jantar. Eu não fui, não estava com fome. O silêncio reinou na casinha de palha, a luz fraca do lampião era a única coisa que a iluminava. Sentei próximo a uma janela, ou melhor, um buraco no meio da parede improvisada, que parece uma janela. Fiquei olhando para o lado de fora. 
Como seria a vida fora daqui? Sempre estive trabalhando nesse estado, tentando me sustentar, já que não tenho pais. Será que, não tão distante daqui, haviam pessoas como eu, mas sem trabalhar assim? Será que existiam outras garotas de quinze anos assim? 
–O que está a pensar, minha filha? -Ouvi uma voz. Me virei rapidamente. Era a idosa. 
–Na vida fora daqui. -Respondi. 
–Claro! Todo mundo sonha isso! Mas nunca saberemos, certamente. 
–Eu quero sair. -Falei sonhadora, olhando para as estrelas que iluminavam junto com a lua- Conhecer o mundo. Mudar o destino de ficar eternamente nessa fazenda escravizadora. Cansei daqui. 
–Não há como, você sabe, minha querida! 
–Sei. Mas tenho que sair... -De repente, uma musiquinha misturada com poesia me veio a cabeça. Eu já havia visto ela, em um livro de histórias da filha do patrão, que consegui pegar clandestinamente - Quando a noite vem, e o sol tem que ir, muitas coisas acontecem não tão longe daqui. Perto da árvore onde o vento parece residir, a velha então espera a esperança vir. 
–Uma velha lenda, Catarina. -A senhorinha falou. 
–Lenda? Essa música? 
–Sim, muito antiga. 
–O que quer dizer? 
–Não sei, nunca parei para pensar. Mas você poderia, não é mesmo? 
–Poderia? 
–Claro! Por que não? -Me parecia uma ideia meio incerta, não era boa nessas coisas, mas resolvi concordar apenas. 
Logo, todos estavam dormindo, se preparando para mais um longo dia. 

LIA 

Um estrondo vindo de um prédio ruas a frente. E gritos, misturados ao tamborilado da chuva fina que caia. Meu senso de sobrevivente me mandou ir até um orelhão e ligar para os bombeiros, algo havia acontecido. Corri rapidamente até a esquina, onde tinha um. Disquei o telefone e uma atendente logo disse: 
–Alô, Corpo de Bombeiros, o que deseja? 
–Um acidente. -Pensei rápido, já que não sabia o que aconteceu- Em um prédio. Avenida Shuntinsburg. 
–Desculpe, a senhora está envolvida nisso? -A atendente perguntou, grossa. 
–Não, mas... 
–Tem algum adulto por perto? -Ela não quis ouvir o resto das explicações. Uma raiva enorme passou por mim. Quem ela pensa que é para me ignorar? 
–Não, não tem nenhum adulto! -Falei no mesmo tom. 
–Então, senhora, terei que desligar. Necessito de falar com um adulto, alguém responsável, para poder confirmar sua ligação. Não posso aceitar, além de não querer, ligações de pirralhos que não sabem o que falam de tão insignificantes. - Quem ela pensa que é para duvidar da capacidade das crianças e adolescentes? Na mesma hora, respondi quase gritando: 
–OLHA AQUI! ACONTECEU UM ACIDENTE, NESSE TEMPO TODO QUE PASSOU QUESTIONANDO A LIGAÇÃO DE ALGUÉM QUE NÃO SEJA BURRO A PONTO DE SER UM ADULTO ESTÚPIDO, MUITOS ADULTOS COMO VOCÊ PODEM TER MORRIDO! 
–Senhora, me desculpe, mas... quem pensa que é para gritar comigo? -Ela parecia assustada e apenas questionou. 
–Lia Fortescue. Moro sozinha, nas ruas, há um ano ou mais. Sou órfã, perdi minha família toda em um acidente de carro. Aprendi a ser mais responsável do que provavelmente todo esse seu setorzinho de atendimento do Corpo de Bombeiros, então.... FAÇA ME O FAVOR DE ATENDER O PEDIDO, QUE A INSIGNIFICANTE AGORA É VOCÊ! -A mulher apenas pediu um minutinho e passou o telefone para outra. 
Boa noite! Corpo de Bombeiros, o que deseja? -Ela cumprimentou como se nada tivesse acontecido. Suspirei e já mais calma respondi: 
–Aconteceu um acidente em um prédio na Avenida Shuntinsburg. Tentei falar com a outra atendente, mas não deu muito certo. 
–Desculpe perguntar, mas quantos anos a senhora tem? -Suspirei novamente, iria começar. 
–Quinze. 
–Algum adulto por perto? 
–Não. 
–Está sozinha em casa? -Dessa vez, perdi a paciência: 
–VOU PRECISAR FALAR A TODAS AS ATENDENTES QUE PASSAREM PELO TELEFONE QUE EU SOU ÓRFÃ, NÃO TENHO CASA NEM FAMÍLIA, ESTOU NA RUA HÁ MAIS OU MENOS UM ANO! 
–Desculpe, senhora, não podemos atender pedidos de menores. Nossa chefe de departamento acha que são burros e insignificantes, sem querer ofender. -De súbito, tive uma ideia: 
–Posso falar com ela? 
–Claro, um minutinho, por favor. -Uma musiquinha de elevador ficou tocando, até que outra mulher atendeu: 
–Boa noite, Departamento De Ligações Do Corpo De Bombeiros, aqui é Michele, com quem eu falo? 
–Boa noite, Michele. Você fala com Lia Fortescue. -Ela, como eu imaginei, logo perguntou: 
–Com quantas atendentes já falou? 
–Duas. 
–Elas informaram que não é permitido ligações de menores de idade insignificantes, pirralha? 
–Sim, mas eu ignoro essa regra. 
–Quem te dá o direito? 
–Olha senhora, eu moro a quase um ano na rua, sem família sou órfã, me viro com o que me dão. Enquanto isso, você faz cruzeiros e toma banho de hidromassagem em sua mansão colonial. Acho que isso me dá total direito de ignorar essa regra idiota que inventaram. -Deu quase para imaginar a mulher boquiaberta com a minha audácia. 
–Desculpe, mas não irei permitir isso. 
–Ok. Se morrer algum adulto como você, insignificantemente burro, espero que fique com peso na consciência. 

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Cheguei em frente ao prédio e apertei o interfone. O porteiro rapidamente atendeu: 
–É dos Bombeiros? 
–Não. Tentei ligar, mas não me deram ouvidos. 
–Quer ir em algum apartamento? 
–Não. O que aconteceu? 
–O elevador... O elevador caiu. 
Meu coração acelerou pelo nervoso, mas me controlei e perguntei: 
–Conseguiu tirar eles de lá? 
–Sim, mas estão muito machucados, precisam de ambulâncias! 
–Tentou ligar? 
–Já estão a caminho. 
–Ótimo. Se alguém morrer, pode me fazer um favor? -Ele se assustou com a pergunta, mas logo falou: 
–Pois não? 
–Ligue para o Corpo de Bombeiros e fale para a Michele que Lia Fortescue avisou... 
  

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