Música: Paradise - Coldplay
Lia
Talvez nada dê tão certo
assim. Tudo que parece simples é adequada a esse adjetivo. Parece fala de uma
professora de Português, Redação ou mesmo Filosofia. É ou não filosófico? Eu
não sei. Nunca fui boa em Filosofia.
Os Filósofos antigos diziam
que qualquer um pode pensar, mas nem todos podem filosofar. Depois, diziam que
filosofar é pensar. Mas, enfim,
seria eu capaz de filosofar ou mesmo pensar? Quem pensa é livre, e eu estou
presa nessa gaiola gigante que é o mundo. Seria eu uma pensadora?
Eu quero só voar para longe
dessa gaiola, como um pássaro. Talvez eu só quero mesmo é poder viver como
alguém normal, uma adolescente normal. Sair com as amigas, ir à escola, sair
com “aquela pessoa especial” ... coisas que garotas de quinze anos fazem. Mas
não posso.
Eu quero voar daqui. Quero
seguir a mensagem que o vento me passou. Quero ir atrás de Catarina Jones.
Revirei minha mochila: oito
reais era o que tinha me restado de dinheiro. Peguei dois e comprei um jornal.
No jornal da cidade, tinha as rotas de ônibus e os seus pontos e números. O que
eu justamente precisava.
— Número 156. — Li no
jornal. Era o número do ônibus. — Pegar em frente ao Edifício Que Caiu O
Elevador.
“Ligue para o Corpo de Bombeiros e fale
para a Michele que Lia Fortescue avisou...”. Isso passou com um flashback em minha cabeça.
Lembro-me muito bem do prédio, do acidente e da vagabunda da moça dos
Bombeiros.
Segui
correndo, o ônibus logo passaria. Quase o perdi, mas tudo bem. Ele estava
vazio, exceto por uma garota da minha idade, eu acho, e eu. A garota tinha
cabelos perfeitamente lisos e alinhados, loiros e brilhantes. A típica
patricinha, mexendo no Iphone mais recente possível, tirando selfies e tudo o
mais.
O sol
estava se pondo. O efeito era, visto dali, incrivelmente mágico. O contraste
entre o amarelo e o vermelho, formando um alaranjado escuro, era perfeito. Era
como se eu estivesse no paraíso.
— When
she was just a girl, she expected the world, but it flew away from her reach so
she ran away from your sleep, and dream the para-para, Paradise... — A
loira estava cantando, ouvindo música em seus headphones de marca cor-de-rosa.
E eu conhecia aquela música. Sua voz era perfeitamente aguda, como uma soprano
de ópera — When she was just a girl, she
expected the world, but it flew away from her reach e and the bullets chatch in
her teeth...
— Life
goes on, it gets so heavy, the wheel breaks the butterfly, every tear a
waterfall... In the night, the stormy night, she’ll close her eyes, in the
night, the stormy night awat she’d fly... — A garota rapidamente se virou
para mim. Ficamos nos encarando de uma maneira estranha, o que fazia um
absoluto sentido, tendo em vista o que acontece ou poderia estar acontecendo nesse
exato instante.
Ela, de cabelos
perfeitos e platinados, magra, de olhos azuis, vestida de rosa da cabeça aos
pés, com um headphone de marca e um IPhone do tipo mais recente possível. Rica,
patricinha, mimadinha. A princesa perfeita que ninguém julgaria.
Eu, de
cabelos desajeitados e um tom escuro estranho, com um peso não tão grande mas o
suficiente para ser gorda, de preto da cabeça aos pés, com apenas um livro na
mão. Pobre, órfã, nem estudar estudo para ser classificada em algum “grupo
social”. A garota perfeitamente julgada.
Ela me
olhou de um jeito estranho, provavelmente o que qualquer rico faria. Mas para
minha surpresa, ela então falou:
— Você
gosta dessa música? — Sua voz normal era igualmente aguda.
— Sim... —
Respondi. Minha voz soou mais estranha do que eu planejava.
— Qual é
seu nome?
— Lia. E o
seu?
— Lia? —
Ela tinha uma expressão estranha — Esse não é seu apelido?
— Não, é
meu nome mesmo. — Bem, era o que eu me lembrava.
— Lia é
apelido. Você tem um nome, que deu origem ao apelido. O meu é Katie. — Ela
sorriu. Parecia ser legal, mas agia como se eu fosse... burra.
— Eu não
sei o meu... sempre foi Lia, eu acho.
— Por que
não pergunta aos seus pais? — Baixei os olhos. Não que fosse difícil falar
sobre isso, eu não lembrava deles muito bem. Eu pensei como iria contar isso para ela. Ela tinha cara de que não entendia
as coisas muito bem. Rapidamente afastei esse pensamento de minha cabeça... eu
sabia o que era isso.
Preconceito.
Indiscutivelmente todos tem. Nem se for
somente uma pontadinha, mas tem. E eu não deveria ter.
— Oh, sinto muito! Você mora com quem? —
Aparentemente ela percebeu. Que eu esteja
livre desse sentimento, pensei.
— Bem...
com ninguém. — Ela arregalou os olhos.
— Oh! Sinto
muito, muito, muito mesmo por você!
— Não, tudo
bem.
— Se isso
não for me intrometer demais, aonde vai? — Pensei na melhor maneira de contar a
ela. Respirei fundo, contei mentalmente até três e comecei a falar.
— Eu estou
indo para além das montanhas. Não sei bem o nome do lugar, mas procuro uma
mineradora de diamantes.
— Deve ser
a Cristal. É uma mineradora muito importante, sabe? Eu estou indo para lá
também... posso te levar. — Fiquei pensativa. Será que ela era realmente
confiável? Uma riquinha não era e nunca vai ser minha primeira opção quando se
trata de ajuda confiável. Mas acho que não tenho escolha.
— Tudo bem...
Quem é o patrão, ou o dono da mineradora, enfim. Quem coordena aquilo? — Ela
ficou pensativa por alguns instantes e depois respondeu.
— Alexander
Hiddlegan. Um grande empresário, sim, com muito dinheiro.
— Por que
vai lá? — Ela suspirou antes de continuar.
— Meu pai é
outro grande empresário, sem me gabar. Ele está resolvendo algumas coisas com a
su... a empresa de Alexander e quer que eu vá para lá. — Ela falou em um tom de
incerteza.
— Ah,
sim...
— E você?
Por que vai para lá?
— Estou
procurando uma amiga.
— Qual é o
nome dela? Já fui lá outras vezes com meu pai, talvez eu saiba. — Hesitei, mas
logo falei.
— Catarina
Jones. — Seus olhos tiveram um brilho esquisito.
— É... eu
já ouvi ela falando que queria... fugir, algumas vezes. — Sua voz se tornou
estranha, embora continuasse aguda.
— Sim, ela
quer...
— Você vai
ajudar ela? — Sua voz estranha me assustou. Seus olhos brilhavam de maneira tão
estranha que estavam quase me pressionando a responder suas perguntas.
— Não sei.
Acho que sim... — Ela se aproximou estranhamente, sentada agora ao meu lado.
— Mas você não acha... — Sua
voz estava meio rouca — Que o dono da empresa vai querer te prender lá, como
prendeu a Catarina? — Eu queria ter respondido que sim, provavelmente sim, se
ele descobrisse. Mas ao invés disso, lancei:
—
Como sabe que ela está presa lá? Não te falei nada.
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